Brasília – A Justiça do Trabalho registrou 1,150 milhão de novos processos na primeira instância entre janeiro e junho de 2025, alta de 10,1% em relação ao mesmo período de 2024 (1,044 milhão). Mantido o ritmo, o total pode chegar a 2,3 milhões até dezembro, superando os 2,1 milhões contabilizados em todo o ano passado.
Especialistas atribuem a retomada do contencioso a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que flexibilizaram o pagamento de despesas processuais por trabalhadores com benefício de justiça gratuita.
STF derrubou artigos da reforma de 2017
Em 2021, o STF declarou inconstitucional trecho da reforma trabalhista de 2017 que obrigava beneficiários da justiça gratuita a arcar com honorários de sucumbência e perícia caso perdessem a ação. Para o tribunal, a cobrança feria o princípio do amplo acesso ao Judiciário.
A mudança diluiu efeitos da reforma aprovada ainda no governo Michel Temer (MDB), que havia reduzido drasticamente o número de processos. O pico de 2,7 milhões de ações em 2016 recuou para 1,7 milhão em 2018 e alcançou o ponto mínimo deste século em 2020, com 1,4 milhão.
TST ampliou critério de isenção em 2024
Outro impulso veio em 2024, quando o TST alterou os parâmetros para concessão da gratuidade. A partir de então, o benefício tornou-se automático para quem recebe menos de 40% do teto dos benefícios do INSS (cerca de R$ 9 mil). Remunerações superiores também podem obter dispensa mediante simples declaração de hipossuficiência.
Para a advogada Danielle Blanchet, do escritório Rocha Pombo, Andrade, Capetti & Carneiro, “o receio de ter de pagar honorários praticamente desapareceu, recriando um ambiente semelhante ao pré-reforma”. Na avaliação de Paulo Renato Fernandes da Silva, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), a facilidade “estimula pedidos múltiplos”, inclusive pleitos que o trabalhador “sabe não ter direito”.
Casos de altos salários e patrimônio elevado
Levantamento coordenado pelo sociólogo José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), traz exemplos de beneficiários com alto poder aquisitivo. Um deles declarou possuir dois carros BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma motocicleta Harley-Davidson de R$ 240 mil; outro, bancário com salário de R$ 43,6 mil, recebeu R$ 960 mil ao final da ação, sem desembolsar custos processuais.
Perdas para o Erário e impactos no emprego
Entre 2019 e 2024, 79,8% dos pedidos de justiça gratuita foram aceitos apenas com autodeclaração, apontam os autores do estudo. A estimativa é de perda de R$ 5,59 bilhões em custas judiciais e R$ 300 milhões em honorários periciais para os cofres públicos nesse intervalo.

Imagem: Pedro França
Outro trabalho, de pesquisadores da USP e do Insper, calcula que a responsabilização da parte vencida pelos gastos processuais ajudou a criar 1,7 milhão de postos de trabalho entre 2017 e 2022. Sem essa regra, a taxa de desemprego seria 1,7 ponto percentual maior, segundo as simulações.
Ativismo judicial em debate
Para Pastore, decisões que sobrepõem súmulas a textos legais evidenciam “ativismo e paternalismo” no Judiciário trabalhista, o que gera insegurança jurídica. Ainda tramita no STF, com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, ação que questiona a validade da autodeclaração de pobreza. Mesmo que o tribunal volte a exigir comprovação, a isenção de honorários para quem obtém o benefício permanece intacta.
Fernandes da Silva avalia que persiste resistência em aplicar integralmente a reforma: “Há quase oito anos da aprovação, alguns magistrados ainda ignoram as novas normas”. Segundo ele, a cultura de litigância prevalece sobre métodos de mediação e arbitragem.
Procurado para comentar o aumento das ações e a flexibilização da gratuidade, o TST não respondeu até o fechamento desta edição.
Palavras-chave: STF, TST, justiça gratuita, reforma trabalhista, ações trabalhistas, custas processuais, emprego, desemprego, insegurança jurídica, Brasil
Com informações de Gazeta do Povo